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domingo, 8 de agosto de 2010
Crianças indígenas: o lugar das crianças na sociedade Maxakali
O grupo indígena Maxakali habita territórios na região do Vale do Mucuri, região nordeste de Minas Gerais, divisa com o Estado da Bahia. São em torno de 1200 individuos, sendo cerca de 3/5 constituido por crianças. São falantes da lingua Maxakali,tronco linguistico macro-jê. Encontramos no trabalho de Myrian Martins ÁLVARES (2004) importantes reflexões sobre a aprendizagem, a transmissão de conhecimentos e o desenvolvimento infantil da criança Maxakali, e suas inter-relações com a escola indígena diferenciada. Boa parte de suas reflexões são referenciadas a sua pesquisa de mestrado ligada ao campo da etnologia indigena (ALVARES: 1992), quando tratou de aspectos ligados a construção da pessoa e a corporalidade expressas na cosmologia e sociabilidade do grupo Maxakali, tendo como um dos principais focos de analise o ritual dos yãmiy (espíritos do canto) dentre eles o Taxtakox, ritual de iniciação xamãnica dos meninos que marca sua entrada na casa dos homens (kuxex).
Seu trabalho passou a ganhar outro foco de atenção principalmente a partir de sua experiência como pesquisadora e também consultora no processo de implantação das escolas indígenas em Minas Gerais (ALVARES: 1999; ALVARES et alli: 2001; ALVARES et alli: 2003) quando tomou como fonte de preocupação as relações entre a cultura Maxakali e o processo de domesticação da escola. Trataremos aqui do primeiro grupo de questões.
Algumas afirmações da autora definem bem o lugar da criança Maxakali em seu grupo social e nas redes de sociabilidade que constrói juntamente com os adultos: “a criança é o fio que tece as várias dimensões da sociabilidade Maxakali.” Alguns exemplos do cotidiano de vida do grupo dão mostras deste lugar ocupado pela criança. Por exemplo, constitui uma prática comum entre os adultos falarem através das crianças, num diálogo indireto com os interlocutores e tendo a criança como mediadora das relações sociais. Elas podem atuar também na reconciliação ou reconstrução de relações rompidas. Quando uma mãe retorna com seus filhos a sua família de origem, após separar-se de seu antigo cônjuge, ela envia primeiramente as crianças para em seguida retornar com o objetivo de tomar conta delas. Exemplo parecido acontece quando dois chefes de famílias extensas que estejam com relações estremecidas iniciam negociações de paz, enviando respectivamente seus “diplomatas”, seus netos. Como mesmo explica a autora: “a livre circulação das crianças significa paz e harmonia entre as pessoas, sua ausência, significa hostilidade e estranhamento” (ALVARES, 2004: 54).
Os meninos também atuam como mensageiros entre os diversos grupos familiares, principalmente durante os rituais que acontecem no Kuxex quando todos os homens se dirigem a casa de religião e as mulheres são proibidas de la entrarem. Quando isto acontece, os meninos fazem a comunicação entre as duas casas. Neste momento, a autora destaca o importante papel dos meninos que atuam como ligação entre duas partes da sociedade ritualmente separadas, dos universos masculinos e femininos respectivamente.
O lugar da criança na sociedade maxakali é analisada pela autora do ponto de vista dos rituais de Yãmixop. As crianças são aquilo que se troca entre os espíritos e os humanos como sinal de sua aliança. Isto acontece durante o ritual de iniciação xamânica do menino, o Taxtakox, quando as mulheres e os espíritos trocam entre si crianças. “ os espíritos trazem de volta para as mães os seus filhos mortos ainda crianças, para que possam voltar todos os anos para dançar e cantar para os vivos e para que as mães possam alimentá-los novamente. Em troca, elas entregam seus filhos vivos para serem iniciados na casa cerimonial dos homens”. (ALVARES, 2004: 57)
No ritual, os meninos vão para a casa dos homens e permanecem por um mês. Serão separados das mães e lá farão suas refeições e serão introduzidos nas dimensões secretas do domínio sagrado de sua cultura.
O processo de aprendizagem das crianças e adultos Maxakali para se tornarem humanos completos passa pela aquisição de yãmiy (espíritos). São os pais ou outro parente mais próximo que inicialmente passam seus próprios yãmiy para seus filhos, uma vez que já se tornaram pessoas completas. Todavia, a posse de um espírito só pode ser efetivada através do conhecimento. É um processo longo que pode demorar a vida inteira, porque para os Maxakali, o conhecimento pertence aos espíritos que trazem para os humanos. Os rituais seriam neste sentido momento de aprendizado e troca entre os espíritos e os humanos. O processo de aprendizagem condiz em transformar “a palavra em canto” ou, melhor dizendo, “a pessoa humana é palavra e seu destino é transformar-se canto”. Os espíritos são seres cantores, na realidade os próprios cantos. Após a morte o destino da alma dos viventes é transformar-se em yãmiy. Os yãmiy que vem cantar com os humanos são ainda crianças. Quando crescerem estes yãmiy mandarão seus filhos. Da mesma forma que os humanos, os yãmiy também passam por um longo processo de formação e maturação para desenvolverem-se.
Neste processo de maturação que se inicia na infância ocupa um importante papel a instrução dada pelos parentes das crianças, normalmente os avós em momentos fora do ritual.
Por fim, a autora destaca a importância do ritual na vida e no aprendizado entre os Maxakali: “o conhecimento precisa ser transformado em experiência vivida ritualmente no próprio corpo. É esta experiência ritual que possui o poder de construir a pessoa e torná-la um ser humano completo” (ALVARES: 2004:62).
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ALVAREZ, M.. “Kitoko Maxakali: A criança indígena e os processos de formação, aprendizagem e escolarização”, Revista ANTHROPOLÓGICAS, ano 8, volume 15(1): 49-78, 2004.
* ACESSE TAMBÉM O BLOG DO PESQUISADOR CHARLES BICALHO MAXAKALI.BLOGSPOT.COM
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Um comentário:
Muito boa a pesquisa sobra as cirnaças Maxakali, eu não conhecia essa tribo. Bom conhecer melhor as raízes culturais que me dão identidade como brasileira tb, valeu!
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